A regulação urbana pode ser resumida como a definição da disciplina de parcelamento, uso e ocupação do solo, que, somada a determinados instrumentos de natureza urbanística, resulta em diversas transformações urbanas como: restrições à ocupação em determinadas áreas, adensamento construtivo e populacional em outras, aumento no valor da terra, incentivo ou restrição à mescla de usos, aumento ou redução de áreas permeáveis e arborizadas, dentre outras dinâmicas. E é comum que a regulação urbana também gere externalidades negativas na vizinhança, no meio ambiente e na paisagem, sendo também objeto de disputa de diferentes grupos sociais.
Do ponto de vista formal, a regulação urbana consiste no conjunto de leis, decretos e demais regulamentos municipais, que podem englobar planos e projetos (por exemplo, o próprio Plano Diretor e os Projetos de Intervenção Urbana – PIU) e instrumentos como a Outorga Onerosa do Direito de Construir, as Operações Urbanas Consorciadas, a Transferência do Direito de Construir, as Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), dentre outros.
É evidente, porém, que a atuação do Estado no meio urbano não se resume somente a tal regulação, uma vez que a ação governamental é fundamental para assegurar a implementação da política urbana através do planejamento e execução da infraestrutura de transporte público coletivo, saneamento básico, parques e áreas verdes; da execução de programas de urbanização de favelas e construção de moradias para famílias de baixa renda; do planejamento e construção de equipamentos sociais públicos, como creches, escolas, UBS, hospitais, bibliotecas, etc. Ou seja, existe uma dimensão programática que se soma à dimensão reguladora.
Os dissensos e conflitos envolvendo a regulação urbana
No campo de atuação dos arquitetos e urbanistas, é muito comum o dissenso quanto às virtudes da regulação urbana na configuração do desenho e da forma urbana das cidades. Geralmente predomina a crítica quanto à ausência da figura do projeto (nas suas diferentes escalas e conteúdos) no desenho de cada porção da cidade e na insuficiência, limitação e até mesmo contradição das normas ou parâmetros urbanísticos na geração de espaços com maior urbanidade e qualidade arquitetônica.
Algumas questões derivam desse dissenso, como por exemplo: em que medida os ícones arquitetônicos da cidade de São Paulo seriam aprovados na legislação vigente? Seria possível aprovar hoje projetos como o Copan, o Masp e o Conjunto Nacional?
Outro dissenso é a oposição entre planejadores (aqueles que formulam a lei) e os licenciadores (aqueles que aplicam as leis). Se por um lado são os profissionais do planejamento urbano que geralmente lideram o processo de formulação dos planos e principais leis urbanísticas, por outro, na fase de aplicação da lei, são os licenciadores que assumem o protagonismo, por meio da aprovação de projetos. As diferenças aqui não ficam somente na forma de conceber as leis e normas, mas também nos seus fundamentos e efeitos esperados na cidade.
Um conflito fortemente presente na regulação urbana é a oposição de grupos sociais em relação à legislação urbana. Refere-se aqui especialmente às associações de moradores de determinados bairros na cidade de São Paulo, que se opõem não somente à legislação urbana no sentido lato sensu, mas também a empreendimentos que foram licenciados pela prefeitura e estão em conformidade legal. Esses grupos adotam uma prática litigante que em alguns casos chega a ser acolhida pelo Ministério Público, fazendo com que a atuação do Judiciário se sobreponha à própria regulação urbana.
A regulação urbana como objeto de estudo
Um aspecto pouco explorado e abordado sobre a regulação urbana são os seus fundamentos, as suas métricas, as técnicas adotadas para a sua construção normativa e os procedimentos para sua aplicação. Tudo indica que parece existir um saber e uma prática para a construção e efetivação da regulação urbana que não se circunscreve à atuação dos arquitetos e urbanistas, tampouco se trata de assunto exclusivo de advogados e gestores públicos. E esse conhecimento e prática foi menosprezado pelos urbanistas e planejadores urbanos por anos (pelo menos no que se refere ao interesse pelo tema na sua etapa de formação), tendo sido incorporado pelos licenciadores, advogados e gestores públicos. Recentemente parece que essa realidade está mudando, pelo maior interesse e envolvimento dos arquitetos e urbanistas na concepção e aplicação da legislação urbanística.
Este blog se propõe justamente a refletir sobre as bases conceituais, técnicas e normativas da regulação urbana, assim como seus efeitos no território, de modo a compreender como o código (ou seja, a regulação) influencia o desenho da cidade. Pretende-se aqui não somente esclarecer o vasto temário relacionado ao assunto, mas, sobretudo, contribuir com proposições para o aprimoramento normativo. Boa leitura!
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