Para que o planejamento urbano das cidades tenha efetividade, cada município dispõe de um conjunto de leis, decretos e demais regulamentos, de modo que qualquer intervenção na cidade ocorra de acordo com o que foi planejado. O mesmo se aplica na arquitetura: para que os edifícios sejam dotados de funcionalidade, sustentabilidade, conforto, segurança e demais atributos que gerem qualidade aos ambientes construídos, existem diversas normas técnicas que devem ser obedecidas no desenvolvimento e aprovação dos projetos arquitetônicos. Embora pareça óbvio que a construção das cidades tenha que ocorrer de acordo com um conjunto de técnicas, na prática, vemos uma recorrente burla às regras definidas em leis, normas e demais regulamentos.
Seguem alguns exemplos: inexistência de sistemas de prevenção e proteção contra incêndio que estejam completos, em bom funcionamento e com o CLCB ou AVCB em dia; edifícios que não apresentam dimensionamento dos ambientes, sanitários e sinalização que permitam sua utilização por pessoas com deficiência; ambientes insalubres; ampliações de áreas construídas, corte de árvores, ocupação de calçadas e utilização de espaços públicos sem autorização da prefeitura; dimensionamento inadequado de sanitários; inexistência de vagas para carga e descarga e embarque e desembarque de passageiros, fazendo com que muitas vezes isso ocorra na rua; realização de atividades que geram ruídos em horário e em volume acima do permitido na lei; construção sobre áreas de praia e em áreas de preservação ambiental; execução de obras com configuração diferente do projeto aprovado; instalação de anúncios publicitários em desacordo com a Lei Cidade Limpa; dentre outros exemplos.
Essa prática da burla às regras se agrava quando ela é sustentada por condutas ilícitas dos agentes públicos e privados, envolvendo propinas e favores, rompendo com os princípios constitucionais da administração pública. E muitas vezes essas práticas ilícitas são justificadas pelo argumento da burocracia, do excesso de regras, do conhecido jargão “criação de dificuldades para a venda de facilidades”.
Nesse contexto, o leitor deve estar se perguntando: que “vantagem” alguém leva em cumprir as regras e os procedimentos se esse é um caminho mais moroso e talvez mais custoso?
Uma resposta mais apressada a essa pergunta poderia ser uma tentativa de enumeração das “vantagens” de se adotar uma conduta proba, como por exemplo, não ficar exposto ao risco das sanções cabíveis em relação às irregularidades praticadas, ou seja, evitar a incidência de multas e o fechamento da atividade ou do empreendimento. É a chamada segurança jurídica. No entanto, qualquer resposta que se apoie no argumento da “vantagem”, acaba mensurando apenas o valor econômico envolvido.
O que se pretende demonstrar aqui é que uma conduta proba e de respeito às regras, é a escolha dos valores da ética, da moral, do respeito mútuo, do caráter humano dos espaços construídos, da segurança e da sustentabilidade, mesmo que isso requeira maior investimento de recursos financeiros, de energia e de tempo. Mas é o que se espera de qualquer profissional arquiteto e urbanista, de proprietários de imóveis, de empreendedores e dos demais profissionais envolvidos no desenvolvimento de atividades imobiliárias e econômicas nas cidades. Afinal, o resultado da atividade imobiliária gera um legado urbanístico para muitas gerações.
Infelizmente, essa prática de burla às regras não se dá de forma isolada, sendo bastante recorrente em nossas cidades.
Recentemente o Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU) divulgou a informação que “dentre 50 milhões de brasileiros que já fizeram obras de reformas ou construção, 82% não contrataram serviços de profissionais tecnicamente habilitados, arquitetos ou engenheiros. São obras irregulares, sem registro de projeto e execução junto aos órgãos competentes”. É evidente que em muitos destes casos a prática da irregularidade não foi necessariamente intencional para se obter uma vantagem, tendo ocorrido pelo desconhecimento das leis e normas e, principalmente, pela falta de recursos. Mas demonstra o desafio de se construir uma cultura de obediência das leis, normas e procedimentos.
Afinal, o que significa o conceito de conformidade técnica e legal?
Pode-se dizer que conformidade técnica e legal é a situação em que a configuração física e a utilização de um imóvel atendem a todas as disposições técnicas e legais definidas na legislação, nas normas técnicas e nos documentos de aprovação emitidos pelos órgãos públicos, estando tais documentos expedidos, válidos e dentro da vigência, conforme as regras aplicáveis.
E para se praticar uma cultura da conformidade técnica e legal, é fundamental avançar em várias ações, dentre elas:
- Conscientizar proprietários de imóveis e empreendedores quanto às normas incidentes e aos procedimentos que devem ser adotados para o adequado desenvolvimento de atividades econômicas, empreendimentos imobiliários e manutenção de imóveis.
- Cobrar os órgãos de fiscalização e controle para que atuem de forma eficaz e que tenham uma conduta proba.
- Capacitar e educar os profissionais envolvidos no desenvolvimento imobiliário, na construção civil e na gestão de imóveis e negócios.
- Aprimorar os processos de licenciamento nos municípios.
- Avançar na simplificação da legislação urbanística e edilícia.
- Promover maior transparência na gestão do licenciamento.
Não adianta evocar o conceito de conformidade técnica e legal somente quando ocorre um incêndio de grandes proporções ou um acidente envolvendo grandes perdas materiais e mortes. É necessário promover uma cultura da conformidade técnica e legal, especialmente pelas entidades que representam os profissionais da área da construção civil.
E você, arquiteto, profissional, proprietário ou empreendedor, como a conformidade técnica e legal está presente na sua atuação profissional ou no seu negócio?